“Há situações que a razão não pode explicar, mas o coração e a alma as entendem muito bem…”

“A saudade é o bolso onde a alma guarda aquilo que perdeu.” Apesar de neste momento ela ser fiel em descrever o que sinto, não tenho tanta poesia assim em minha alma. Quem disse essa preciosidade foi o lindo e magnífico poeta Rubem Alves, que tanto admiro.

Nesta tarde Deus me agraciou com um presente magnífico. Dormi, e de repente lá estávamos, eu e ela, deitadas lado a lado. Ela olhava fixamente em meus olhos e sem emitir nenhum som, me falava coisas que a tempos necessitava ouvir. Coisas que minha alma carecia profundamente. Eu passava a mão por seus finos cabelos, sempre limpos, bem penteados e cheirosos…. ahhh o cheirinho dela… incrível como não sou capaz de descrever aquele aroma, mas mesmo agora ainda consigo senti-lo nitidamente…

Suas mãos delicadas, com unhas muito bem aparadas e limpíssimas. A pele era macia, fina, gostosa ao toque, mas era visível que a lida da vida havia judiando bastante delas, mas mesmo assim manteve-a sutil e graciosa.

Sabem aqueles sonhos que quando acordamos, nosso coração dispara, não abrimos os olhos e nem nos movemos pedindo por favor pra voltarmos? Ficamos naqueles milésimos de segundo tentado nos situar… se o que acabamos de viver foi ou não real… mas afinal… o que é real? O que é imaginário?

O único desconexo no sonho era o fato de eu ser quem sou hoje e ela continuava lá… da mesma forma que quando o Criador decidiu que era tempo de tê-la de volta em Sua casa. Porque lá ela certamente faria parte dos anjos capazes de levar doçura, cura e amor a muitos outros corações.

Naquele momento, no alge dos meus quase 40 anos tive a oportunidade de falar a ela o quanto a amava e eu tinha a consciência que não era um “eu te amo” como agradecimento pelos inúmeros presentes dados por ela, ou pelos sacos cheios de balas… mas um “eu te amo” maduro, expressando nos nossos olhares toda a grandeza que pode caber nessa pequena frase.

Após acordar, fiquei ali sem me mover me lembrando de quando ela me preparava para ir à escola. Me vestia, penteava e logo vinha a parte que eu odiava… colocava um porção de talco na palma de suas mãos, esfregava uma na outra e com delicadeza passava aquele tratamento de beleza em todo meu rosto. Como aquele ritual me irritava!!! Mas eu ficava em absoluto silêncio pois o seu olhar me dizia que ali à sua frente estava a aluna mais linda da escola… e lá ia eu, esperando a primeira oportunidade de me limpar.

Como a saia do uniforme era abaixo dos joelhos, minhas coleguinhas dobravam o cós para ficarem com suas pernas um pouquinho mais à mostra… mas eu não podia… pois do outro lado da rua lá estava ela me vigiando através da janela do seu quarto. Cuidando da sua preciosidade.

Por muitas madrugadas, estávamos eu e ela nas filas de hospitais para que  eu fosse tratada. Me lembro das injeções contra reumatismo que ela me levava pra tomar toda semana… por incrível que pareça esse era meu dia preferido, pois íamos pra cidade, e ela, invariavelmente, me  comprava um gibi após cada agulhada.

E foi assim… muita coisa aconteceu, outros netos vieram, mas até o último dia de sua vida foi um ser angelical em nossas vidas. E assim… Como uma borboleta que sai batendo suas asas até desaparecer do nosso campo de visão, ela se foi. Sem aviso prévio, sem sofrimento, sem transtornos. Foi-se elegantemente como que dizendo: A vida é simples assim, isso é natural e nos encontraremos novamente logo ali, na próxima esquina.

Midoria Pinheiro de Souza, vulgo Dona Gabriela… com você foi um pedacinho de mim, mas em troca deixaste muito de você. Você me faz lembrar que é possível ter doçura, gentileza e alegria mesmo em meio ao caos e secura de amor que muitas vezes nos envolve.

Sim meu caro Rubem Alves, hoje esse bolso da minha alma foi aberto… a saudade machuca, faz sangrar, mas imagino que a falta desse sentimento deve dar à vida um sentimento de enorme vazio, loucura e insignificância.  Saudade é a verdadeira contestação que vivemos algo digno de ser revivido, mesmo que seja através de um presente enviado pelos céus… onde a razão não pode explicar, mas o coração e a alma o entende muito bem.